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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Siga o PensCiência no Twitter!

Sigam-me, por favor, por favorzinho... Não me façam implorar!

Galera, aos pouquinhos vamos melhorando e deixando o blog cada vez mais completinho (notaram que agora temos um logo?)... Minha última empreitada (que deu algum trabalho pra quem não entende nada de html) foi botar o Twitter aqui no blog. Como vocês podem ver, agora aqui no lado direito tem a janelinha com os últimos twitts do blog.

Mas não tem graça nenhuma ficar twittando se não tem ninguém acompanhando, por isso, sigam-me! É só clicar no nome do blog na janelinha do twitter aqui do lado e dar Follow. Pelo Twitter irei divulgar os novos posts e retwittar coisas interessantes relacionadas à Ciência de modo geral. E fiquem à vontade para mandar qualquer mensagem por lá também! O blog foi feito para ser uma via de mão dupla, eu preciso saber o que vocês estão achando dele, sejam coisas boas ou ruins, para melhorá-lo a cada dia!

Por Luiza Montenegro Mendonça.

A escultura de areia bunitinha é daqui.

domingo, 22 de janeiro de 2012

E a novela do H5N1 continua...

Eu? Eu me sinto ótima! De verdade! Muito bem. Nem mesmo uma  fungadinha... Nunca estive melhor...
Ontem, os cientistas que realizaram os estudos com o vírus influenza H5N1 em furões declararam que irão dar uma pausa de 60 dias nas pesquisas relacionadas a esse vírus (não entendeu nada? Leia aqui). Desde a imposição da NSABB de que os resultados fossem omitidos, uma onda de pânico se alastrou, e o debate se tornou extremamente polarizado. De um lado, ativistas de biossegurança defendendo a posição da NSABB e a interrupção da pesquisa e de outro os virologistas e microbiologistas defendendo a publicação dos resultados na íntegra. A pausa nos estudos tem como motivo dar à sociedade tempo para refletir nas implicações e riscos do estudo, e permitir a realização de uma conferência internacional a fim de discutir os prós e contras das publicações e da pesquisa.

Já expliquei como funciona a produção de conhecimento na ciência, e já dei um exemplo de como a omissão de dados pode ser prejudicial a esse processo e à sociedade. Uma epidemia de influenza é uma das ameaças potenciais mais perigosas à saúde pública, e ainda pouco se conhece sobre os mecanismos pelos quais o vírus se torna capaz de se transmitir via aérea (a natureza não publica artigos), e sobre outras características da infecção do influenza (como por exemplo, como ele ganha a capacidade de se transmitir à humanos).

Os dados gerados pelos pesquisadores dos Países Baixos podem ser vitais num futuro próximo (como na iminência de uma pandemia, por exemplo), por isso, quanto mais divulgados eles sejam, melhor será para a humanidade, pois mais e mais pessoas podem partir desses dados existentes e complementar e acumular o conhecimento que temos sobre o vírus.

Teoricamente (e friso o teoricamente, pois não há absolutamente nenhum indício real de que isso é possível) o alarmismo relacionado à pesquisa se dá por dois motivos: a possibilidade de esses dados serem usados por bioterroristas, ou um vazamento do vírus do laboratório, em ambos os casos, levando a uma pandemia de H5N1 altamente patogênico.

Já discuti anteriormente porque dificilmente esses dados ajudariam bioterroristas, pois há formas muito mais simples de se criar armas biológicas com os dados já existentes na literatura. E vamos combinar ninguém espalhou tanto terror quanto a NSABB quando começou essa história toda (ou não estaríamos tendo essa discussão, certo?).

Sobre um possível vazamento, comentei antes que concordava que de fato esse vírus deveria ser estudado em laboratórios com alto nível de biossegurança, como P3 ou P4 (os dois níveis mais altos de biossegurança existentes), que contam com uma complexa infraestrutura a fim de evitar que o manipulador se contamine com o material que está sendo estudado (nesse caso, o vírus) e a fim de impedir um escape desse vírus para o ambiente. Descobri que, (adivinhem só!) os estudos foram todos conduzidos em laboratórios P3, ou seja, essa cautela já foi tomada. Se por acaso chegar-se à conclusão de que os estudos devem ser realizados em laboratórios P4, que seja, mas que a pesquisa seja levada adiante.


E muito se especula (e friso o especula) que esse vírus tenha uma letalidade de 50%, já que 50% das pessoas que deram entrada nos hospitais infectadas pelo H5N1 morreram. Mas, pense comigo... Se você fica levemente gripado, você vai ao hospital? Às vezes não vamos nem quando estamos seriamente gripados! O fato de a pessoa ter sido internada já é um indício que o seu caso era mais grave que o comum, e talvez calcular a letalidade de um vírus baseado no número de pessoas que deram entrada em hospitais seja um método tendencioso. Então, pra calcular-se da maneira correta, teríamos que dividir o número total de mortes causadas pelo vírus pelo número total de pessoas infectadas. Tudo bem, assumo que é impossível calcular o número total de pessoas infectadas... Mas estudos demonstraram que há pessoas que possuem anticorpos contra o H5N1 (uma prova de que essas pessoas tiveram contato com o vírus) e estão por aí felizes, contentes e, principalmente, vivas. O trabalho analisou 800 trabalhadores rurais da Tailândia, e chegou à conclusão que 9% deles tinham anticorpos contra o H5N1. É claro que, sendo um vírus de aves que dificilmente infecta humanos, esse número não seria retumbantemente enorme (provavelmente só aqueles que trabalham diretamente com aves tiveram uma infecção com o H5N1 e desenvolveram anticorpos), mas só essa evidência já mostra como esse cálculo da letalidade está errado. Outro estudo com 8500 candidatos (de diferentes origens) revelou que 1,3% tinham anticorpos contra o H5N1. E mais uma vez lembro, sabemos que o vírus é letal em furões, não há como descobrir (a não ser que Dona Natureza nos apronte uma) se ele é letal em humanos.

O jeito agora é esperar pelo fim da pausa e a conclusão da conferência para sabermos se a ciência perdeu ou ganhou essa, e se o primeiro caso de censura da ciência moderna vai se concretizar ou não. Uma coisa é certa, os dois lados irão expor suas idéias. Os cientistas apresentarão os fatos (pois é apenas nisso que eles acreditam) sem menosprezar ou aumentar qualquer evidência. Mas será que os ativistas de biossegurança ouvirão os fatos?

Por Luiza Montenegro Mendonça. Sim, desisti do alinhamento justificado, o blogger tá de brincadeira comigo...

A íntegra da declaração dos autores do estudo pode ser vista aqui.

Cartoon retirado daqui.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Renovando a esperança em uma vacina contra o HIV

Belíssima representação da partícula viral do HIV feita em vidro pelo artista Luke Jerram.
Eu quero uma (a escultura, não o vírus, cruzes!).

No post passado eu comentei que havia saído um artigo que renovou as esperanças sobre uma vacina contra o HIV, pois então...

Cientistas americanos publicaram dia 4 desse mês na revista Nature, resultados de uma nova vacina experimental feita em macacos. A vacina foi desenvolvida contra o vírus da imunodeficiência símia (SIV), um primo do HIV que infecta primatas. A vacina desenvolvida demonstrou alta eficiência de proteção, acima de 80%, o que renovou a confiança dos cientistas de encontrar os elementos certos para uma vacina eficiente contra o HIV.

O estudo foi feito em macacos rhesus, utilizando-se uma vacina de DNA vetorizado (leia aqui pra entender o que é) com sequências de duas proteínas do SIV chamadas GagPol e Env. Os autores testaram diversas combinações de vetores (Ad35, Ad26, MVA e até DNA não vetorizado) sempre no mesmo regime de duas doses, conhecido como prime-boost, onde a primeira dose é a dose de estímulo e a segunda é um reforço. Eles vacinaram macacos rhesus e depois de seis meses verificaram se a vacina havia induzido proteção através de um desafio com SIV, ou seja, eles propositalmente injetaram vírus intraretalmente nos macacos (não deve ser muito agradável, nem pros macacos nem pra quem está fazendo as inoculações, mas é uma via mais próxima da via natural de infecção). Eles realizaram diversos desafios (até 6, pobres macacos) e após cada um deles, verificaram quantos animais foram ou não foram infectados. Assim, comparando os animais vacinados com os controles não-vacinados, eles chegaram ao percentual de >80% de proteção, em três das combinações prime-boost testadas: DNA/MVA, Ad26/MVA e MVA/Ad26.

ResearchBlogging.org
Figura retirada do artigo. O eixo y mostra a porcentagem de animais não-infectados e o eixo x o número de desafios.  Note que com apenas um desafio a maioria dos macacos controle (Sham) se tornam infectados, enquanto que aqueles vacinados com a combinação DNA/MVA, Ad26/MVA e MVA/Ad26 precisam de muito mais desafios para serem infectados (alguns continuam não-infectados mesmo ao final dos seis desafios).
Um ponto importante a salientar é que as sequências de SIV usadas na vacina eram provenientes de um uma variante de SIV chamada de SIVsm, mas o desafio foi realizado com outra variante, mais virulenta, denominada SIVmac, e mesmo assim a vacina foi protetora. Isso é importante, pois o HIV é muito variável, e é certo que as sequências contidas numa possível vacina serão de um vírus distinto daquele que um indivíduo vacinado irá “topar” durante sua vida.

Apesar de serem ótimas notícias, ainda precisamos ter cautela. Muitas vacinas que tiveram sucesso em primatas falharam quando testadas em humanos. Além disso, há estudos demonstrando que talvez anticorpos contra o Ad26 e Ad35 não sejam tão raros assim na espécie humana. Mesmo tendo alta eficiência de proteção, após os seis desafios, a maioria dos macacos adquiriu a infecção. Mas temos mais motivos para ter esperança. Os macacos que foram vacinados e que ficaram infectados após os desafios apresentavam uma replicação viral menor, quando comparado com o controle não vacinado, indicando que a infecção viral estava de alguma forma sendo controlada pelo sistema imune. Havia vírus infectando o macaco, mas o número de partículas virais era até 100 vezes menor do que em um macaco não vacinado. E outros sinais apontavam para um controle imune eficiente da infecção, como maiores níveis de anticorpos neutralizantes e maior número de células T (células do sistema imune) específicas contra o vírus.

Além de elucidar os parâmetros de um regime eficiente de vacinação, esse estudo também dá mais pistas sobre quais são as sequências do vírus que devem entrar na vacina. O HIV (e o SIV também) possui 15 proteínas distintas, e apesar de muita especulação sobre quais seriam as proteínas mais importantes para incluir numa vacina, nenhum estudo até o momento havia encontrado uma combinação que trouxesse uma eficiência de proteção tão alta. No caso, o estudo conclui que uma proteína essencial para haver proteção é a proteína Env, de envelope, que como o nome sugere, é uma proteína que se encontra na parte externa da partícula viral (seriam as bolinhas agrupadas em três na escultura que abre o post). A inclusão da sequência de Env na vacina testada aumentou de 29% para 80% a eficiência de proteção. Essa informação pode ser valiosa no desenvolvimento de futuras vacinas.

Como vocês podem notar, não é à toa que os cientistas ficaram animados com esses resultados. Termino o post com o parágrafo final do artigo, que resume muito bem (melhor do que eu poderia resumir) a sua importância:

Em resumo, nossos dados demonstram a prova de conceito de que a vacinação pode proteger contra a aquisição de SIV nos desafios feitos em macacos rhesus. (…) Esses achados, junto com as observações de requerimento critico de Env e os diversos correlatos de proteção imunológica contra a aquisição da infecção e seu controle, pavimentam novos caminhos na direção do desenvolvimento de uma vacina contra o HIV.


Barouch, D., Liu, J., Li, H., Maxfield, L., Abbink, P., Lynch, D., Iampietro, M., SanMiguel, A., Seaman, M., Ferrari, G., Forthal, D., Ourmanov, I., Hirsch, V., Carville, A., Mansfield, K., Stablein, D., Pau, M., Schuitemaker, H., Sadoff, J., Billings, E., Rao, M., Robb, M., Kim, J., Marovich, M., Goudsmit, J., & Michael, N. (2012). Vaccine protection against acquisition of neutralization-resistant SIV challenges in rhesus monkeys Nature DOI: 10.1038/nature10766

Por Luiza Montenegro Mendonça, muito orgulhosa pelo seu primeiro post com o selo do Research Blogging!


Luke Jerram é um artista que cria esculturas inspiradas em patógenos, no seu site há fotos de diversas outras esculturas (outras de HIV inclusive), que realmente valem a penas ser vistas. A ilustração desse post foi retirada de lá.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Porque (ainda) não existe vacina contra o HIV?


Infelizmente, até o momento, todos os esforços de se desenvolver uma vacina contra o HIV, foram um fracasso, tanto por não apresentarem nenhuma proteção ou por gerarem uma eficiência de proteção insuficiente (próxima a 30%).

A dificuldade em se desenvolver uma vacina contra o HIV deriva de diversos fatores. O vírus sofre mutações muito rapidamente. Isso faz com que o vírus seja muito variável e dificulta o fato de se encontrar uma vacina que ofereça proteção contra todos os vírus circulantes. Além disso, o HIV é um retrovírus, o que significa que ele insere seu genoma viral no genoma da célula. Uma vez lá, a célula não tem como discernir entre DNA viral e DNA próprio. Sendo assim, são estabelecidos reservatórios virais, células onde o vírus se esconde, e onde a vacina não pode atuar. Para finalizar, ainda não há um consenso sobre quais são as variáveis imunológicas desejáveis para uma vacina. Lembre-se que o HIV infecta células do sistema imune, as mesmas células que uma vacina estimula a fim de se criar um estado de proteção que impedirá futuras infecções. Sendo assim, ao estimular essas células, a vacina pode aumentar o número de células alvo do HIV e facilitar uma infecção, ao invés do contrário esperado. Por conta disso, uma boa vacina deve estimular tanto as células de defesa quanto induzir a produção de anticorpos, e esses anticorpos podem inclusive se ligar ao vírus e impedir que ele entre nas células, impedindo a formação dos reservatórios virais. Esses anticorpos são denominados anticorpos neutralizantes, pois conseguem neutralizar a infecção ao impedir a entrada do vírus na célula.

Devido à gravidade da doença causada pelo HIV, as estratégias comuns de desenvolvimento de vacinas, como o uso de vírus inteiro inativado ou atenuado são evitadas por questões de biossegurança. Não é difícil entender, já que, na possibilidade de uma inativação incompleta ou de uma reversão de fenótipo (se o vírus deixar de ser atenuado e se tornar patogênico), pessoas que tomaram a vacina para se proteger, se tornariam infectadas (nada legal). Por isso, as vacinas contra o HIV baseiam-se em novas estratégias de vacinação, como as vacinas de subunidades (onde ao invés de um vírus inteiro se utilizam apenas algumas proteínas virais) e as vacinas de DNA. As vacinas de DNA se encontram numa interseção entre vacina e terapia gênica e podem ser feitas apenas com o DNA ou com o DNA vetorizado numa partícula viral (da mesma forma como explicado aqui). Nessa estratégia é utilizado um vírus que contém a sequência de DNA que codificam uma ou mais proteínas do HIV (nesse caso, mas pode ser sequência de qualquer vírus/organismo contra o qual se deseja fazer uma vacina). O vírus entra na célula e expressa as proteínas de interesse, e o organismo desenvolve uma resposta imunológica contra essas proteínas (o que, com sorte, trará imunidade frente a uma infecção pelo HIV, que possui essas proteínas).

Vacinas desse tipo já foram testadas em humanos (o famoso STEP study), mas o desenho da vacina não foi feliz, pois usava como vetor um adenovírus humano (o Adenovírus subtipo 5) para o qual grande parte da população já possuía anticorpos neutralizantes. O que aconteceu é que na maior parte dos testados, o vetor da vacina nem chegou a entrar em célula nenhuma (muito menos expressar nenhum gene do HIV), porque foi barrado pelos anticorpos neutralizantes contra o adenovírus 5. A vacina foi um fracasso.

Desde então, vários vetores passaram a ser avaliados a fim de se descobrir os mais aptos a uma vacina de DNA vetorizado para humanos. Alguns são vírus animais, como poxvírus de aves e adenovírus de chimpanzés (não se espera que existam muitas pessoas com anticorpos contra vírus de animais, certo?). Outros são vírus humanos relativamente raros, como adenovírus subtipos 26 e 35 (já que são raros, poucos tiveram contatos com eles, logo não devem haver muitas pessoas com anticorpos também). Há ainda vetores baseados em vírus que já foram erradicados, como o MVA, que é um vírus vaccinia (causador da varíola) vacinal altamente atenuado que foi usado no final da campanha de vacinação contra varíola na Alemanha. Bom, a varíola está erradicada no mundo, e a vacinação suspensa (no Brasil foi suspensa em 1980). Logo, não se espera que haja anticorpos na população (pelo menos os mais jovens) contra o vaccinia.

Devido aos fracassos sucessivos em se desenvolver uma vacina contra o HIV, a comunidade científica estava desacreditada. Mas um novo estudo que saiu dia 4 desse mês na revista Nature renovou as esperanças dos cientistas numa vacina contra o HIV. E isso será abordado num próximo post.

Por Luiza Montenegro Mendonça.


Para uma mais informações sobre porque ainda não temos uma vacina contra o HIV recomendo o ótimo post do blog "A Rainha Vermelha" - Quem está escondendo a vacina contra a AIDS. Lá tem ótimas ilustrações da campanha contra o HIV também.

Ilustração retirada daqui.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Terapia Gênica - A nova fronteira da medicina



O termo já ganhou fama, Terapia Gênica. E com razão. É uma ferramenta poderosa e promissora em diversas áreas da ciência.

Terapia Gênica se refere à terapia onde se utiliza um determinado gene para curar uma doença ou induzir uma determinada resposta (como numa vacina). Por exemplo, a fibrose cística é uma doença de fundo genético, ou seja, a origem da doença está no gene que dá origem a um transportador iônico chamado CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane conductance Regulator, ou Regulador de Condutância Transmembranar da Fibrose Cística). Nos pacientes, esse gene é defeituoso, e dá origem a um transportador defeituoso. Havendo um gene “correto” da CFTR, esse problema seria resolvido, e o paciente seria curado.

Identificar o gene importante para curar determinada doença/vacina é a parte mais fácil (e às vezes nem é tão fácil assim). Colocar o gene de interesse dentro da célula do paciente e conseguir a sua expressão a contento é que é complicado.

Primeiro temos que resolver a questão: Como colocar um DNA dentro de uma célula? No laboratório, numa cultura de células, isso é fácil, trivial até, mas em seres vivos complexos nem tanto. Existem algumas alternativas: usar o DNA sozinho (ou nu, como se costuma chamar), complexar ele com moléculas que tenham a capacidade de se fundir com as membranas nas células, ou colocar ele dentro de um vírus. Isso mesmo, os vírus são mestres em transferir seu material genético para células hospedeiras, o que faz deles as melhores ferramentas para isso.

Os vírus usados em terapia gênica são modificados, se tornando não infecciosos (não se replicam dentro da célula) e não patogênicos (não causam doença), eles apenas conseguem transferir o gene de interesse para a célula. Esses vírus são chamados de vetores, um nome muito apropriado, já que vector em latim significa “aquele que entrega”. Uma vez dentro da célula alvo o DNA é expresso, dando origem à(s) proteína(s) de interesse. Mas geralmente não por muito tempo. Acontece que as nossas células estão programadas para combater materiais genéticos estranhos (afinal, elas aprenderam ao longo de muitos milênios de infecção a se precaver contra vírus), e esse material dura muito pouco dentro da célula, antes de ser degradado pelo seu sistema de defesa. Além disso, o vírus não se replica dentro da célula (nem o gene dentro do vírus).
Uma alternativa para solucionar esse problema é usar como vetores vírus que além de entregar esse gene de interesse para às células-alvo integrem esse gene no DNA da própria célula, sendo assim, o DNA da terapia vai se comportar como se fosse o DNA da célula, sendo inclusive duplicado toda vez que o DNA da célula for duplicado. No entanto, isso pode gerar vários problemas. Imagine se esse DNA acaba parando dentro de um gene importante? Esse gene importante não vai mais funcionar como deveria (ele será “truncado”). Esse gene pode se integrar dentro de um gene repressor de tumores, por exemplo, e sem a repressão, isso pode levar ao desenvolvimento de câncer. Esse deve ser um problema a ser solucionado (e está sendo) antes de considerarmos o uso desses vetores em terapias gênicas.

Embora ainda precoce, a terapia gênica têm muito potencial. Ela pode ser utilizada para curar doenças de fundo genético, seja ela causada pela não-expressão de um gene, sua expressão descontrolada, ou por um gene que gere uma proteína defeituosa/anormal. Pode também ser usada para curar doenças infecciosas, como a AIDS. A terapia gênica pode ainda ser utilizada para produção de uma nova classe de vacinas, ou até mesmo para terapias que substituam vacinas. É claro que a teoria é sempre linda, mas a realidade de fato sempre têm mais nuances e facetas. Por isso, todos os estudos utilizando terapia gênica ainda são preliminares, e poucos foram realizados em humanos. Todas as consequências de se inserir um DNA estranho (e vírus) num organismos estão sendo estudadas, a fim de que se possa restringir ao máximo qualquer efeito danoso desse procedimento.

Mas com o tempo, a tendência é que as limitações sejam contornadas e mais e mais estudos entrem em fase clínica (com experimentos em humanos), acumulando conhecimento. E uma vez que essa técnica seja totalmente dominada, uma mudança de paradigma pode ser esperada. A terapia gênica promete revolucionar a medicina, como fizeram os antibióticos, a anestesia e as vacinas antes dela.


Por Luiza Montenegro Mendonça.
Ilustração retirada daqui.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Enquanto isso, num portal de um conglomerado qualquer...


Uau! Incrível! Gêmeos univitelinos (que derivaram de um mesmo óvulo e um mesmo espermatozóide) que nasceram com 5 anos de diferença? Preciso ler!

Só que lendo a matéria a gente percebe que não é bem assim. Pra começar, você descobre que os gêmeos são menino e menina (o quê???), o que de cara descarta a hipótese de serem univitelinos, já que esse tipo de gêmeos tem o mesmo DNA, e portanto, sempre são do mesmo sexo.

Bom, talvez eles não sejam univitelinos, gerados de mesmo óvulo e mesmo espermatozóide, mas tenham vindo do mesmo óvulo, como informava no site. Só que isso não é possível! Cada óvulo é único. Tanto óvulos quanto espermatozóides são gametas, células haplóides (n) com o objetivo de reprodução sexuada. Pense só, na espécie humana as células tem 23 pares de cromossomos (são diplóides, 2n), total 46 cromossomos. Mas se um embrião é resultado da fusão de um óvulo com um espermatozóide (e supondo que eles fossem diplóides), esse embrião teria 46 pares de cromossomos, 92 cromossomos! Certeza de retardo mental severo! Sabemos que cromossomos a mais nunca dão certo... Por isso existem a meiose e os gametas. A meiose é um tipo de divisão celular que reduz pela metade o número de cromossomos da célula. Os cromossomos continuam (quase) os mesmos, só que ao invés de pares de cromossomos, a célula termina com apenas uma cópia de cada um deles. Eu digo quase os mesmos porque durante a meiose ocorre uma recombinação genética chamada cross-over, o que faz com que cada óvulo e espermatozóide sejam únicos (e garante que você não seja igual aos seus irmãos, apesar de terem os mesmos pais).

Além do mais, gametas não fazem mitose (a divisão celular que resulta em duas células filhas idênticas, como clones). Logo, a possibilidade de um óvulo ter se dividido e sido fecundado por dois espermatozóides diferentes também não existe.

E lembrem-se, cada óvulo é fecundado por um único espermatozóide. Não existe a hipótese de um óvulo ser fecundado por dois espermatozóides diferentes (isso daria uma célula 3n! E nem me pergunte o que sairia dessa bagunça!).

No final da matéria você descobre que chamar os dois irmãos de gêmeos é meio forçado. Na verdade, a mãe fez um tratamento de fertilidade, produziu 5 óvulos diferentes que foram fecundados por 5 espermatozóides diferentes. Desses 2 foram implantados e deram origem ao menino. Os outros foram congelados e cinco anos depois, um foi descongelado, implantado e deu origem à menina. Eles seriam gêmeos simplesmente porque foram fecundados na mesma “batelada”. Bom, eles não têm o mesmo DNA (como univitelinos), nem vieram de óvulos e espermatozóides diferentes mas dividiram o mesmo útero por nove meses (como gêmeos bivitelinos fariam). Bom, pelo menos eles não dividiram o mesmo útero ao mesmo tempo... Você e seu irmão também se abrigaram no mesmo útero por nove meses (apesar de não ao mesmo tempo) e ninguém chama vocês de gêmeos, chama?

Enfim, esse é só um exemplo de como as coisas às vezes são mal-comunicadas. Nenhum jornalista tem o dever de saber tudo sobre todos os assuntos que ele divulga (imagine um editor-chefe de um jornal tendo que saber tudo sobre política, economia, ciência, tecnologia, fofoca, cultura e a programação dos cinemas?). Mas ele deve ter suporte de especialistas para impedir que informações erradas sejam veiculadas, como nesse caso. A matéria no caso, nem tinha nenhuma informação incorreta, só o link da página inicial do portal. Bom, de qualquer maneira, o erro está corrigido aqui (e já foi corrigido por lá).

Quem sabe um dia me chamam pra fazer consultoria pro site?


Por Luiza Montenegro Mendonça, muito orgulhosa porque finalmente conseguiu deixar o texto do post com o alinhamento justificado!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Imbróglio Tupiniquim

O assunto já tá meio frio, antigo, mas eu achei que combinava tanto com os últimos posts que eu não podia deixar de colocar aqui. Trata-se não de censura propriamente dita, mas de uma tentativa de retaliação ou intimidação, o que não deixa de ser danoso ao ambiente científico.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) está processando pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da UERJ. As ações foram ajuizadas há dois meses, após os pesquisadores apresentarem durante uma assembléia da ALERJ um laudo recomendando que a saúde dos moradores de Santa Cruz, na zona oeste da cidade, seja monitorada por pelo menos 20 anos após o fim da exposição à fuligem metálica emitida na atmosfera pela companhia.

No ano retrasado, houve emissão irregular de fuligem em duas ocasiões, um evento que ficou conhecido como “chuva de prata”. Isso levou a CSA a ser processada pelo governo e pagar uma multa no valor de R$3,6 milhões e além de ter sido obrigada a gastar R$14 milhões em obras na região atingida.

Amostra da chuva de prata de Santa Cruz
A CSA alegou que o material era composto por grafite e ferro e que não trazia problemas à saúde da população. No entanto, diversas pessoas sofreram na época problemas respiratórios, e segundo o laudo dos pesquisadores processados, há evidência de que se trata de uma mistura de materiais como cálcio, manganês, silício, enxofre, alumínio, magnésio, estanho, titânio, zinco e cádmio. Esse mesmo laudo aponta que o contato com essas partículas pode gerar diversos prejuízos à saúde, como alergias respiratórias, de pele, problemas cardiológicos e, a longo prazo, o surgimento de casos de câncer. E por isso aponta a necessidade de monitoramento dessa população.

Enquanto a CSA tem direito de defesa e até de questionar a pesquisa da Fiocruz, é controverso se ela se beneficiaria de um processo contra os pesquisadores, o que até o momento, tem sido interpretado como uma tentativa de intimidação e repercute negativamente contra a empresa.

Os pesquisadores, ao investigar os efeitos da “chuva de prata” estão meramente cumprindo seu papel na sociedade, que é o de dar assistência técnica e científica. Vale dizer que os mesmos em nada se beneficiam ao propor o monitoramento da população. Não haverá compensações monetárias pela pesquisa que os mesmos realizaram. No máximo alguma publicidade, mas só.

É questionável também se o produto (e autores) de uma pesquisa científica é passível de processo, já que pela constituição o exercício intelectual e de ofício é livre. Por outro lado, o abuso de direito de petição (ou seja, processar indevidamente) pode ser considerado ilícito, o que viraria a mesa, com os pesquisadores processando a CSA por danos morais. Mas isso é algo que caberá ao Judiciário decidir. Por ora, basta torcermos para que essa tenha sido uma ocorrência isolada, e que isso não gere em nenhum pesquisador receio de conduzir suas pesquisas, sejam elas quais forem.


Por Luiza Montenegro Mendonça e Fernanda Miranda. Esse post foi primeiramente publicado no blog da Revista Bio ICB, como parte da disciplina de Divulgação Científica do ICB-UFRJ.

Fotografia retirada daqui.
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